Por que você não deve deixar de ir à LinuxCon só por causa do keynote do Sandy Gupta
Os amigos
Muitos amigos meus estão dizendo que não vão à LinuxCon Brazil por conta de um keynote por um representante da Microsoft. Isso me preocupa muito e me preocupou a ponto de eu me decidir a escrever este post
O mentiroso
A Microsoft é uma entidade engraçada. É extremamente consistente e previsível. Joga baixo, sempre que pode. Seus funcionários acreditam, de coração, que está tudo bem e que é normal fazer essas coisas. Se me convidarem pra jogar bola, eu não vou. Devem dar caneladas, cotoveladas e tudo o mais que puderem, desde que acreditem que vão ficar impunes.
Sandeep Gupta veio da SCO. Foi ele o cara (eu pensei em usar "mané", mas ele sabia muito bem o que estava fazendo) que anunciou (PDF) que havia código do Unix no Linux. Eu escrevi sobre isso há muito tempo - desde então se provou que o Linux não tem código Unix nele e que a SCO não tinha nenhum direito sobre o código que ela dizia ser dela que ela dizia que foi parar (e não foi) dentro do Linux. Lá ele chegou a ser presidente da SCO Operations, seja lá o que fosse que ela operasse.
Muita gente suspeita que a SCO foi apenas um laranja para a Microsoft. A Microsoft tem uma série de coincidências interessantes de executivos que destruíram competidores e que, depois disso, acabaram trabalhando em cargos prestigiosos da empresa. Um que eu me lembro fácil é Rick Beluzzo, que fez com que a HP praticamente abandonasse o desenvolvimento do HP-UX e priorizar servidores Windows, porque, nas palavras dele "NT é o futuro" (em tempo - a divisão de servidores da HP que mais dava lucro era a dos HP-UX, na última vez que eu olhei). Depois da HP ele foi a Silicon Graphics (mais ou menos na época em que a Microsoft comprou a Softimage e estabeleceu o NT como alternativa viável para animação) e que acabou licenciando a preço de banana a tecnologia de aceleração de 3D deles para a Nvidia (que permitiu PCs com performance de 3D similar às SGIs e que enterrou de vez o negócio deles). Depois disso ele foi parar na MSN e deve ter ganho seus vários milhões com isso tudo. A história de Gupta é um paralelo notável e demonstra que, se não a SCO, pelo menos ele esteve a serviço da Microsoft desde o início.
Você contrataria um executivo como ele?
Nem eu.
Mas esse não é o ponto. O homem é um pulha e a Microsoft não é uma empresa ética. Isso não é segredo e nem é a primeira vez que eu digo isso.
O evangelista
James Plamondon era um evangelista da Microsoft. Em uma apresentação, ele explicou como se faz para esvaziar um evento de um competidor - a Microsoft simplesmente aparece no evento. Plamondon, nessa entrevista, se vangloria de ter acabado com duas conferências de desenvolvedores de Mac tornando-as multi-plataforma e impondo tracks com palestras que não interessam a ninguém. Desenvolvedores de software para Mac não querem ir a uma conferência para assistir palestras sobre como escrever software para Windows. Ao impor sua presença, ele espanta conferencistas e, a longo prazo, estrangula a conferência, que morre, aparentemente, de causas naturais. A primeira foi a Mac App Developers Conference, onde ele era membro do board da associação por trás. A segunda foi a Technology and Issues Conference. As duas tiveram uma vida longa antes da Microsoft decidir acabar com elas.
Está tudo aqui. Essa parte que eu mencionei está na página 27, mas o PDF tem 66 páginas de pura maldade (o método que ele usou para entrar na grade de uma conferência é particularmente maligno). Esse pessoal não é só ultra-competitivo. Eles não tem caráter nenhum.
O vilão
Não tenha dúvida de que a Microsoft pagou, direta e indiretamente, para estar na LinuxCon. Mas nós ganhamos com isso. O evento fica melhor no geral, tem mais dinheiro, as entradas podem ser mais baratas e o lanche pode ser melhor. O espaço pode ser mais bem-cuidado, as palestras podem ter mais pessoas. E o preço disso é que temos a oportunidade de ir lá e detonar com o cara no keynote dele. Gente! É o cara da SCO! Melhor que isso só se fosse Bill Gates! Ele vai ser um alvo fácil falando por uma hora. Você pode estar no auditório e, quando ele subir ao palco, sair como forma de protesto (cuidado - ele vai usar a carta da "intolerância" e do "fanatismo" para nos demonizar). Melhor é ficar e crivá-lo com as perguntas mais pontudas e cortantes que puderem imaginar. Se você tiver uma credencial de imprensa, use-a para fazer perguntas na entrevista coletiva. O cara é mau e merece. Simboliza e protagoniza tudo o que existe de mais errado em nosso mercado. Eu lamento profundamente não poder ir pessoalmente dessa vez, mas minha oportunidade de trollá-lo vai chegar.
O que não podemos fazer
Essa parte é muito importante.
Evidentemente, não podemos usar de violência. Eu imagino que também não seja permitido entrar com tortas no auditório. Mais importante do que tudo isso é não deixarmos que a Microsoft esvazie o evento. Se você não aprova e não tem estômago pra ficar ouvindo, vá para o corredor durante o keynote fazer alguma coisa. É uma LinuxCon, afinal. Vá escrever algum código que ajude os outros. Encontre alguém e vá resolver algum problema seu. Deixe que ele fale sozinho sobre a interoperabilidade que a empresa dele não quer. Distribua folhetos, imprima a página 27, traduza, publique em seu blog. Faça algo. Eles vivem da nossa inação.
Mas, mais do que tudo isso, não deixe de ir. O evento e a comunidade a que ele serve não precisam de Guptas e Plamondons.
Precisam de você.
Dinheiro público e eventos comunitários
Alguns dias atrás, eu escrevi uma resposta a um texto do Reinaldo Azevedo, um blogueiro/articulista da Veja. Ele associou software livre ao PT. Parece ser um erro conceitual comum. Um amigo meu acaba de me contar de um outro jornalista, Políbio Braga, que se manifestou contra o uso de verbas públicas no FISL. A opinião dele, equivocada em vários pontos, reflete muito do não se entende sobre software livre, sobre modelos econômicos baseados nele e sobre espaços comunitários como o FISL.
Negócio
Uma das idéias dele é que software-livre seja um negócio como qualquer outro. Num certo sentido, ele tem razão. Há muitas e muitas empresas que usam e fazem software livre e ganham (ou pelo menos economizam) dinheiro com isso. Mas essa percepção só captura metade da coisa. Sofware livre não é sobre custo zero. Software livre é sobre liberdade do usuário. Software livre não nega ao usuário o direito de usar o programa como ele quiser. Por exemplo, usuários de Windows podem esbarrar em restrições artificiais que não permitem o uso de toda a memória ou todos os processadores. Ou de um número maior do que um certo tanto de contas de e-mail. Software livre também respeita a autonomia do usuário de examinar e modificar o programa - ou contratar alguém que saiba como fazer isso. Por conta disso, ele é importante quando se demanda auditabilidade, como, por exemplo, em aplicações militares. Você não quer que, por exemplo, seu avião de caça tenha um kill-switch que possa ser acionado pelo seu oponente, quer?
Então... Software livre é um negócio, mas é um negócio correto e honesto, que dá e respeita os direitos do consumidor, ao contrário do modelo tradicional do software proprietário, que só dá direitos muito limitados sobre alguma coisa que, supostamente, foi vendida.
Plataforma política
Algumas pessoas defendem software livre como uma bandeira ideológica que parece saída dos anos 50. Felizmente são poucos. Ideologia política é um assunto que nada tem com software livre além de uma tênue conexão coincidencial. Ao propor a adoção de software livre, estamos nos tornando mais independentes de empresas americanas. A motivação, no entanto, seria a mesma se fossem empresas cubanas, venezuelanas, iranianas ou norte-coreanas. A motivação é a independência, não o alinhamento com um ou outro "eixo". Uma identidade muito próxima com esses regimes seria, inclusive, contraditória, uma vez que o software livre também defende direitos e liberdades que esses governos tolhem.
Mas isso é a minha opinião. Uma causa justa não precisa ser associada a todas as outras causas de quem as apóia.
Geração de riqueza, versão 2.0
O FISL interessa à comunidade.
No FISL muita gente se encontra. Já conheci empresas e parceiros que tornaram possíveis alguns usos inovadores de tecnologia que simplesmente não seriam possíveis, ou fáceis, sem isso. Eventos como o FISL, hackatonas (participei, por exemplo, com meu filho, do Random Hacks of Kindness) são tanto grandes aceleradores de desenvolvimento (porque as pessoas estão fisicamente juntas) como ferramentas educacionais poderosas (para quem é um novato). Assim, eventos como o FISL geram uma enorme riqueza, tanto de idéias, como de produtos que chegarão ao mercado em breve e que servirão, como bons produtos livres, de plataforma para criação de negócios e geração de valor.
Os visitantes do FISL também deixam uma pequena fortuna nos hotéis, restaurantes e taxis da cidade.
Eu diria que a conta fecha, com facilidade. Tanto o governo federal como o governo do estado do Rio Grande do Sul são grandes usuários de software livre. Ter software livre de melhor qualidade é, para eles e para seus cidadãos, um ótimo negócio. E, como não precisam gastar em licenças, podem usar uma fração do dinheiro economizado ajudando a organizar eventos que melhoram a qualidade do que usam. Simples, não?
Sugestões de leitura
Da mesma forma como no outro, eu vou deixar umas sugestões de leitura
- FISL 7
- Quando Geeks Se Encontram
- e, a resposta original, Resposta à idéia de que software-livre seja coisa do PT
Primeiro vieram atrás dos fumantes
Outro dia, na porta do escritório, participei de uma conversa interessante. Dois amigos fumantes, que agora precisam sair do prédio para fumar - não podem mais fazê-lo no terraço da cobertura, por exemplo, estavam reclamando. Me diverti com o argumento de que poderiam obrigar fumantes a usar um símbolo costurado às roupas. Poderiam também criar bairros específicos para eles, para que não interferissem com o espaço vital dos outros e pudessem, neles, fazer todas aquelas coisas que fumantes fazem, entre eles. Esses bairros poderiam ter seu acesso controlado, para que fumantes não pudessem sair, enquanto a sociedade pensa em uma solução final para esse problema.
O Pastor
O fantasma do Pastor Martin Niemöller me assombra de tempos em tempos. A crescente estupidificação de nossa civilização e suas possíveis conseqüências me incomoda. É com um pouco do espírito dele, da vontade de alertar os meus semelhantes de uma iminente bobagem, que eu fiquei com vontade de brincar com um poema que ele não se lembrava de ter escrito, mas que é atribuído a ele mesmo assim.
Primeiro vieram atras dos fumantes, mas,
como eu não fumo, eu não disse nada.Depois vieram atrás dos gordos, mas,
como eu não sou gordo, eu não reclamei.Então vieram atrás de quem dirige carros.
Como há tempos eu não dirijo, eu não me levantei.Por fim, quando vieram atrás dos inteligentes que sobraram,
os que vieram eram burros demais para entender os protestos.
Nota rápida: um amigo meu me alertou para um fato curioso: parece que o poema, ocasionalmente atribuído a Brecht, é muito parecido com o de um brasileiro, Eduardo Alves da Costa.
O que é que eles têm na cabeça?
Eu ontem ia mostrar a impagável versão de YMCA que o usuário (ou a usuária) azz100c deixou no YouTube apenas para descobrir que ele foi DMCA-izado. DMCA é o Digital Millenium Copyright Act, uma lei que existe nos EUA e que estabelece um mecanismo (as DMCA takedown notices) que permite que os donos de alguma obra peçam sua imediata remoção de sites como YouTube. O problema aqui é que o material (os vocais e o videoclipe de YMCA, com acompanhamento musical do Songsmith) pode ser facilmente encarado como uma paródia e paródias são consideradas, pelo menos nos EUA, protegidas pelo direito constitucional à liberdade de expressão.
Aqui não, infelizmente. Não existe essa coisa de liberdade de expressão no Brasil, a menos que sua expressão não desagrade ninguém que possa pagar um advogado melhor do que o seu. Mas isso é assunto pra outro dia.
O usuário disse que já preparou a counter-notice. Vai ser interessante ver o que acontece.
Agora, legalidades à parte, que idéia estúpida pedir para que o material seja removido. Pessoas estavam vendo o vídeo, rindo e lembrando que o Village People um dia existiu. Talvez até ainda vendessem uns CDs a mais...