Vivendo no Windows, parte 2
Segunda parte da comparação entre a vida no Windows e a vida no Linux
Em um outro artigo, eu contei minha história recente de usuário Windows e como eu tratei dos problemas que me incomodavam (alguns ainda incomodam) na plataforma.
Interessantemente, o artigo ofendeu uma boa meia-dúzia de leitores, de pessoas lúcidas a Windows-fanboys de carteirinha. Uma das mensagens, no entanto, apontou um caminho que eu, quando escrevi o artigo, não optei por seguir: um comparativo desapaixonado entre os dois ambientes de trabalho (Windows XP com algumas observações pertinentes ao Vista e Ubuntu 8.04 com observações pertinentes ao 8.10 que sai do forno semana que vem).
Onde o Windows faz bonito e o Ubuntu nem tanto
A minha primeira idéia seria dizer "em nada", mas isso não seria totalmente verdade. O Windows tem algumas coisas boas pra oferecer.
Instalação de fontes
No Linux (e em qualquer ambiente X - onde X é o "driver de janelas"), instalar fontes envolve alguma mágica pesada. Nada que ruim para um power-user, que vai preferir manter suas fontes em uma pasta (ou mais) só delas, fazer symlinks para elas nos lugares em que o X vai procurá-las e vai saber o que fazer com elas quando precisar formatar a máquina. Não é nem difícil nem complicado, mas não é óbvio. Um leigo se perderia em 90% dos casos. Um usuário experiente se perde em menos de 30%. Se for um X mais antigo, melhor chamar um amigo pra ajudar.
No caso do Windows, é só arrastar o arquivo para dentro da pasta Fonts (que está dentro da pasta do Windows, mas que você pode abrir pelo Control Panel também). É bem simples e o Windows supostamente lida com tudo - cópia de arquivos, registro de metadados etc. É uma coisa bem-feita que já vem vindo do tempo do Windows NT 3. Nos meus anos de Windows, eu sempre achava estranho meus amigos rodando gerenciadores de fontes em seus Macs (com MacOS 7) e me perguntava porque eles poderiam precisar disso.
Extensibilidade do Windows Explorer
É um segredo bem guardado, mas o Windows Explorer é muito modular. A pasta "Fontes" sobre a qual eu falei antes é um exemplo disso - ela é uma pasta, mas ela tem alguma "esperteza" associada. Ela sabe o que fazer quando você copia um arquivo para ela (e não é só gravá-lo). A parte ruim é que isso é só com o Windows Explorer. Se você copiar os arquivos de outro jeito, a mágica não vai acontecer. Outro exemplo brilhante era o Internet Mail and News, o predecessor do Outlook Express e do Live Mail. Se ele existisse hoje, você poderia selecionar mensagens no seu Outlook e arrastá-las para a lixeira do desktop.
Eu ainda espero um programa elegante que seja capaz de lidar com isso no Gnome. Não pode ser tão complicado de fazer.
Outro exemplo glorioso dessa modularidade é o TortoiseSVN. Quem escreve programas e não usa controle de versão deveria mudar de carreira. SVN é o padrão "de fato" para isso. Há coisas mais modernas nessa seara, mas o SVN ainda vai ser importante por bastante tempo e o TortoiseSVN permite que mesmo o mais tapado dos usuários consiga controlar seus arquivos, centralizá-los em um servidor e cooperar com outras pessoas sem medo de estragar um o trabalho do outro.
O Assistente de Impressão
É muito legal usar o assistente de impressão para imprimir imagens em uma pasta. Você chama o assistente, marca as imagens, diz como quer a impressão, aperta o Finish e pronto. Devia ter alguma coisa assim no Linux. Até deve ter: eu é que não sei onde fica. Talvez o F-Spot faça isso. Vou precisar olhar direito.
iTunes
É... Não tem pra Linux. Deve dar pra rodar, se não for debaixo de um Wine, debaixo de um xVM VirtualBox, mas não é a mesma coisa. Muita gente detesta o iTunes, mas é difícil competir com ele quando se trata de comodidade em descobrir e organizar podcasts. Não conheço mais nada que sincronize com meu iPod Touch (e não, eu não vou "meter o pé de cabra nele" só pra sincronizá-lo com rsync).
Onde o "Windows Sucks" e o Linux brilha
O kernel do Windows é um horror. Ele reage muito mal a aumentos bruscos de demanda e "congela" a máquina sem razão aparente por vai saber quanto tempo. O Windows XP não faz mais "telas azuis da morte" como o NT e o 2000 faziam, mas uma amiga minha, fã de carteirinha do Windows, twitta sempre que volta de uma tela azul do Vista. E é um micro de marca com selinho "Designed for Windows Vista", daqueles que não deviam nunca dar esses paus. Mesmo com bastante memória, o Windows se porta mal - você abre dois, três, quatro programas e vê a máquina ficar "carrocenta", mesmo que os programas não estejam fazendo nada. Um Unix-like como o Linux ou Unixes "clássicos" como os *BSD ou "exóticos" como o MacOS X (que usa um microkernel Mach debaixo de um verniz Unix) se comportam muito melhor sob carga. E por "sob carga" você pode entender "abrindo o Firefox em uma seção com 10 abas cheias de banners em Flash enquanto abro o GIMP para retocar fotos grandes e o Eclipse para editar programas". Windows precisa de bem mais computador para fazer a mesma coisa. Sistemas Unix-like também lidam com muitos processadores melhor do que o Windows e, em uma máquina como um MacPro com dois processadores de 4 núcleos, um Unix-like como o OSX é uma necessidade.
Falta de opções - Windows é unissex e só tem tamanho único
No meu notebook eu posso, na hora do login, escolher entre os desktops Gnome, KDE4 e XFCE (poderia ter mais escolhas - eu é que não quero). Gnome é o meu preferido - redondo, funcional e razoavelmente rápido. KDE4 é o futuro do KDE - muito eye-candy, um desktop mais bonito, widgets morando no desktop, plasmoids e outras idéias muito sofisticadas. É o Windows 8 ou 9. XFCE é a outra ponta - é um desktop ultra-minimalista, feito com peças do Gnome, mas muito mais leve. É ótimo para máquinas pouco poderosas e para aquelas horas em que você sabe que vai torturar seu computador além dos limites sensatos, mas em que não vai precisar de nada que só o Gnome faz (o que eu, francamente, não sei o que seria, porque o XFCE é bem funcional). No caso do Windows, você só tem o Windows Explorer. Esse é o único ambiente desktop e você não tem escolha. Seja seu micro um monstro com 2 processadores Xeon de 6 núcleos e 64 gigas de memória ou um netbook com um VIA C-7 e 4 gigas de memória flash, o Windows é um só.
Pessoas têm necessidades diferentes. O recepcionista tem necessidades diferentes do economista que faz simulações complexas. O garoto que joga World of Warcraft tem necessidades diferentes do presidente da empresa que passa mais tempo em reuniões do que perto do computador.
Há roupas infantis e roupas para adultos, brinquedos de menina e de menino, roupas masculinas e femininas. Minha coluna no Webinsider chama-se "Not for sissies". Há outros sites e colunas mais "for sissies" por aí. Cada um com suas necessidades. Não existe essa coisa de "one size fits all".
E não adianta citar o Windows Vista Starter, Home Basic, Home Premium, Business, Enterprise, Ultimate, Jerry Seinfeld Edition (e eu devo ter esquecido uns 3) como opções. É essencialmente a mesma coisa com programas a mais ou a menos dependendo de quanto você pode pagar.
Segurança
Segurança no Windows é um desastre. Sempre foi motivo de piada a ponto de não ter mais graça hoje em dia. Se você usa Windows, você precisa de um anti-vírus. Precisa de um anti-spyware também. É bom ter um firewall. Precisa de um monte de coisas que um sistema operacional não devia precisar. Não existe uma adequada segmentação de contextos de segurança - e é por isso que a segurança tem que ser acrescentada "por cima" do sistema em vez de "por dentro". Um reflexo disso é o UAC do Vista, que, de tão inusável, a maioria dos usuários o considera um bug e o desliga. O Windows XP simplesmente não tem isso e, se o você rodar um programa suspeito, ele vai infectar seu micro e tudo o que você pode fazer agora é limpar o estrago que ele fez.
O Linux herda o modelo paranóico do Unix (que, por sua vez, herdou o modelo paranóico do MULTICS), em que usuários diferentes usam a mesma máquina ao mesmo tempo e precisam ter seus processos e dados separados de forma segura. Um programa de um usuário não pode chegar perto dos dados do outro enquanto que o computador não poderia nunca cair. Unix era usado para controlar centrais telefônicas. Ele é seguro por projeto, construído assim desde a base. Se você precisar de mais reforços, pode bootar sua máquina como um SELinux, que tem uma segurança ainda mais reforçada. É um pouquinho mais lento, mas foi feito para o pessoal da NSA poder dormir tranquilo enquanto russos e chineses tentar arrombar seus computadores. Nâo quer dizer que, se eu rodar um programa projetado para apagar meus arquivos ele não vá apagá-los - ele não me protege daquilo que eu quero que ele faça e, se eu fizer algo imbecil, a culpa é só minha.
Instalando programas
No Windows, você tem que descobrir que programa você quer (o que é a parte fácil), descobrir de onde baixar o instalador, baixá-lo, descobrir onde baixou (onde muitos novatos emperram - eles perdem arquivos no HD), rodá-lo, rodá-lo de novo como administrador, muitas vezes bootar a máquina e seguir adiante. Mas isso é só o começo - se sair alguma atualização, o software pode ou não avisar você. Você tem que ficar de olho, baixar e reinstalar atualizações. Para dois, seis ou dezoito programas, a carga de trabalho começa a ficar grande. Em vez de trabalhar, você administra sua máquina.
Nos Linux modernos, o software é dividido em pacotes. Para instalar um programa, eu abro o Synaptic (ou qualquer outro gerenciador de pacotes - até o OpenSolaris - que decididamente não é um Linux - tem um) faço uma busca e recebo uma lista de programas que falam daquela palavra-chave que eu dei. Eu escolho o pacote da lista, marco para instalação e, quando eu estiver pronto, ele baixa e instala os pacotes que eu marquei. Se precisar de outros pacotes, ele baixa e instala os outros também. Mais do que isso - ele sempre sabe que pacotes estão instalados, que pacotes podem conviver com quais outros e avisa e evita conflitos. Melhor ainda - quando saem atualizações, ele pode atualizar tudo sozinho de uma vez. E isso não está limitado ao Linux - se sair uma versão nova do Gnome, do Gimp, do Python, do Emacs, do driver da impressora ou do kernel, ele avisa e instala quando eu mandar. É perfeito e é difícil pensar na época em que eu vivia sem isso.
Eye Candy
No lado Windows temos o Vista. Nem é justo comparar algo com o XP. O Vista tem transparências e animações e é... bem... animado se comparado ao XP. Os efeitos visuais mais "exuberantes" só existem no Vista Über-Ultimate Jerry Seinfeld Signature Edition ou coisa parecida. Vista Home alguma-coisa, nem pensar. "É porque ele precisa de uma super-placa-de-vídeo", diz a MS.
No lado Linux, temos Compiz Fusion. Ele roda em um Pentium III com uma placa de vídeo PCI de 64 megas de memória. Roda no mais rampeiro Intel GMA. Roda em qualquer coisa. Pode não ficar perfeito no hardware patologicamente low-end que alguns malucos atiram nele, mas fica razoável quase sempre. Em hardware bom, ele fica surreal. É difícil arrastar as janelas "duras" do Windows e do Mac depois de se acostumar às janelas "gelatinosas" do Compiz. Parece fisicamente errado que janelas sejam infinitamente rígidas e que não tenham inércia.
E eu nem mencionei as idéias mais avançadas que estão guardadas pras próximas versões (ou para hoje, para os usuários mais aventurosos que compilam as próprias coisas - lembre-se: poder fazer isso é um feature, não um "bug" do Linux).
Os Detalhes Pequenos
Há uma multidão de pequenos detalhes que fazem a vida num Linux mais fácil para quem conhece as coisas. Por exemplo, é possível fazer um zoom da tela no Compiz, explodindo os pixels para olhar de perto um ícone. E você faz isso sem ter que parar de fazer o que estava fazendo - você pode usar isso, por exemplo, para examinhar uma página no Firefox. Você também pode "pintar" na tela (isso é utilíssimo em apresentações - e junto com o zoom, é perfeito para demos). Você pode prender uma janela no topo da tela e deixá-la sempre visível (útil para o Gimp, por exemplo, porque eu vivo perdendo as caixas de ferramentas dele no meio das janelas, ou para digitar código de boletos de um PDF em uma janela de browser). Outro truque genial (ainda mais quando combinado ao último) é mudar a transparência da janela. Com isso, você pode deixar alguma coisa acontecendo em uma janela e deixá-la translúcida enquanto você trabalha em outra coisa. Outra coisa que é uma mão na roda são as beiradas de janelas que "colam" e se auto-alinham com a beirada da tela, outras janelas... Facilita muito a vida. E essas são algumas de um monte de pequenas coisinhas que fazem a vida mais fácil. "Como tantas pessoas aguentam" não é uma pergunta retórica.
Concluindo
Eu poderia continuar essa lista por muito tempo e por muitas páginas, mas acho que estamos bem por aqui. Há diferenças fundamentais entre Unixes e Windows que não vão ser resumidas a meia dúzia de pontos. Mas eles são coisas comparáveis - são ambientes de trabalho.
Não adianta também dizer que o OpenOffice não presta. Ele custa R$ 1.000 a menos que o Office da Microsoft. Não cola reclamar que o Gimp não faz tudo o que o Photoshop faz ou que ele é incômodo de usar. Ele custa R$ 2.000 a menos. Só com esses dois, temos R$ 3.000 a mais para você gastar em computador, cursos, roupas, livros ou cerveja, de acordo com as suas prioridades. Adicione aí os R$ 2.500 de um Visual Studio (pense em NetBeans e eclipse somados ao ambiente hard-core developer-friendly do Linux como um equivalente) e a conta está em uns R$ 5.500. Dá pra brincar muito com esse orçamento extra.
Oh... Se você compra isso por R$ 30 no camelô da esquina é outro problema. Se o crime não é um impeditivo... bom... Aí é com você.
É verdade que muitos milhões de pessoas usam Windows, mas o argumento de que "milhões de lemmings não podem estar errados" não cola mais.
Pelo menos não aqui.
Nota: Você encontra esse artigo no Webinsider, onde a barreira para fazer comentários é infinitamente mais baixa.