Vendor Lock-In
Vendor lock-in é uma prática que torna o cliente dependente dos produtos de um determinado fornecedor. Apesar de repreensível, é uma prática comum em que o fornecedor torna os clientes "reféns" obrigando-os a comprar novas versões do seu produto ou arcar com substanciais custos para migrar seus dados e processos. Funciona tanto com software, quando ele mantém dados em formatos proprietários, como hardware, quando usa interfaces específicas de um fabricante (a IBM foi mestra dísso por décadas).
Você provavelmente conhece isso: é muito provável que seu celular não funcione em outra operadora que não aquela de quem você o comprou. Para desbloqueá-lo, você precisa pedir pessoalmente em uma loja da operadora, assinar um formulário em três vias e trocar seu número quando finalmente mudar a operadora. Para muitos, vale mais a pena continuar com a mesma operadora. Isso é vendor lock-in. Ele aumenta as barreiras de entrada, infla preços e reduz a liberdade de escolha. É ruim pra todo mundo, exceto para o vendor dono do lock-in.
Paternalismo
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo criou o Programa Computador do Professor para oferecer aos professores da rede pública do estado computadores a preços subsidiados. O valor que os professores devem pagar fica entre R$ 1.500 e R$ 1.900, dependendo do número de professores participantes, e ele pode ser financiado em até 24 vezes sem juros. O financiamento corre por conta da Nossa Caixa. No primeiro dia, 15 mil professores se cadastraram no site.
Eu acho ótimo que a Secretaria de Educação se preocupe com a atualização tecnológica dos professores. Acho importante que as escolas sejam equipadas com computadores modernos e que os alunos tenham acesso a eles. Mas eu desaprovo o uso de dinheiro público (a Nossa Caixa deve jogar pela janela - no press-release eles usam o verbo "investir", mas o meu termo é mais fiel à realidade - R$ 77 milhões subsidiando os juros) para ajudar os professores a comprar seus próprios computadores. Pelos meus computadores, eu mesmo paguei. Do meu bolso. Cada um deles. Nunca me ocorreu que meu empregador bancasse parte deles. Pior ainda quando o dinheiro sai do nosso bolso para pagar os computadores dos outros.
Essa iniciativa é irmã de outra, em que a Microsoft se dispôs a fornecer e-mail grátis aos professores e alunos da rede estadual de ensino.
Teve até Steve Ballmer em pessoa.
Incentivos perversos
A essa altura, quem me conhece sabe onde eu quero chegar.
Sim. Os computadores virão com Windows, Office e "softwares de apoio pedagógico fornecido pela Microsoft".
Isso cria um incentivo a uma situação que, a meu ver, deveria ser evitada. É óbvio que os professores serão incentivados a usar o Office e o tal "programa de apoio pedagógico" para produzir seus materiais. Isso, por outro lado, reforça a necessidade dos alunos usarem máquinas com Windows e Office (pirata ou não) para visualizar e usar o tal material. Não sei o que é o tal "programa de apoio pedagógico", mas eu duvido que o conteúdo gerado com ele possa ser acessado de um computador sem Windows.
Só vantagens
Para a Microsoft tudo são vantagens. O webmail para alunos e professores é uma gota no oceano de caixas postais grátis que eles já fornecem a qualquer um e não deve aumentar perceptivelmente seus custos operacionais (que já são difíceis de quantificar). Doar licenças de software é outro grande negócio - é uma manobra contábil para reduzir o faturamento e, com isso, pagar menos impostos. A dependência criada pelos programas que entram no pacote vai garantir a venda - para professores e seus alunos - de licenças de Windows e Office no futuro (o primeiro é sempre grátis, como dizem os comerciantes do ramo). E tudo isso embrulhado na percepção de que ela está sendo boazinha e generosa. Com direito a auditórios cheios e aplausos.
E a conta disso fica para a Nossa Caixa: R$ 77 milhões.
Tremendo negócio.
O que fazer?
A essa altura, há pouco o que possa ser feito. Papéis demais foram assinados pelos nossos representantes e ninguém vai bancar o custo político de desistir do plano, por mais torpe que alguns o percebam. E, tirando o lado de reforçar o monopólio, a iniciativa é boa. A única forma, a essa altura, de combater a prática de "dar o primeiro de graça" é subvertê-la: usá-la para divulgar formatos e padrões abertos em vez dos formatos e padrões proprietários que estão sendo difundidos. Usá-la para eliminar em vez de fortalecer o vendor lock-in de que falamos no primeiro parágrafo. Dezenas de milhares de professores vão comprar computadores novos. Todos esses computadores têm espaço em disco de sobra e todas as distribuições de Linux conseguem ser instaladas nelas "apertando" a partição do Windows e abrindo espaço no disco vazio. Vamos convencê-los a instalar e experimentar um Linux (eu sugeriria um OpenSolaris ou um BSD, mas é que eu acho que os Linux estão mais perto de "cair no gosto" dos professores). Vamos fazê-los ter certeza de que os notebooks não têm seus componentes escolhidos a dedo para ser "à prova de Linux".
Os professores são pessoas inteligentes. Não deve ser difícil explicar os riscos do projeto e como eles podem prejudicar seus alunos a curto, médio e longo prazo (obrigando-os a pagar por produtos caros, obrigando-os a praticar pirataria de software ou, na melhor das hipóteses, prendê-los a formatos proprietários por muito tempo).
Vamos ajudar esses professores a fazer algo realmente bom pelos seus alunos.
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