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Filmes Ruins 101

by Ricardo Bánffy last modified Jan 19, 2009 04:24 PM

Desde o primeiro teaser, estava claro que a versão de 2009 de O Dia em que a Terra Parou seria uma bomba. Mas poderia, com um pouco mais de cuidado, ser um ótimo filme e um bom tributo ao original de Robert Wise. Cuidado: Eu escrevo mais do que você pode querer ler antes de ver o filme

Pra ser curto e grosso, é um filme bem ruinzinho.

Mas não seria irrecuperável. Algumas intervenções poderiam ser feitas que tornariam o filme tanto um bom filme de ficção científica como um ótimo entretenimento.

Spoilers abaixo!

Não vou meter a mão no vespeiro de pensar em trocar atores. Os atores não são particularmente brilhantes, mas, a culpa por suas atuações medíocres cai sobre os ombros do diretor. Já vimos cada um deles ser bem dirigido e salta aos olhos o quanto eles não o foram dessa vez, roteiro ruim ou não. Mais importante: nem um bom elenco, nem um bom diretor, salvariam sozinhos esse filme: o problema dessa vez é mesmo o roteiro.

Também não vou entrar na disputa entre esse filme ser uma refilmagem de outro filme ou uma nova adaptação de um conto de Harry Bates (que pode ser encontrado nesse livro aqui ). O filme é uma refilmagem do original de 1951, pois tem com ele mais traços em comum do que tem com o conto "Adeus ao Mestre" que inspirou o primeiro.

Que é bem diferente do primeiro filme, a propósito.

Os problemas e suas soluções simples

A primeira técnica é aplicar o princípio universal da remoção da inutilidade: tudo o que não torna o roteiro melhor, deve ser impiedosamente removido. Cada cena redundante torna o todo mais frágil. Nesse caso, muita coisa precisa ir embora e, no tempo que sobrar, você coloca coisas que tornem o roteiro melhor, o que nos leva à:

A segunda é dar motivos às ações e sentido aos eventos, preencher lacunas e dar vida às coisas que ficaram ocas por esvaziamento das pataquadas originais.

Parece uma missão menos complicada do que a do nosso alienígena.

O prólogo redundante

Ninguém quer muito saber dos detalhes de onde a aparência do alienígena veio. Isso, em palavras simples, não é importante e poderia ser explicado em uma linha mais adiante no filme. É uma redundância que explica mais do que precisava explicar.

Além disso, que alpinista estúpido sai da sua barraca à noite no meio de uma nevasca?

O apocalipse improvável

Um grupo de cientistas brilhantes que insiste em dar uma velocidade em notação científica. Os cientistas que eu conheço usam notação científica, mas mais quando estamos falando de quintilhões ou outros "zilhões" para os quais não temos um nome de uso comum. No filme, eles abusam do "10 à sétima potência" para descrever a velocidade da espaçonave que se aproxima da Terra, sem perceber que isso dá alguns poucos milhões de quilômetros por hora (ou metros por segundo, não prestei atenção). Pode parecer impressionante para quem não terminou o primário, mas, francamente, filmes de ficção científica sempre miraram no pessoal que tem um QI um pouco mais alto. Se você quer o resto da distribuição normal, faça uma comédia pastelão.

Outros pontos interessantes (e onde você percebe um roteiro que foi retalhado) são as inconsistências: Os cientistas observam, claramente, que o objeto muda de direção e velocidade e que não segue uma trajetória de queda-livre, mas, ainda assim, continuam acreditando que ele vá se chocar com a Terra. Dica: Se a coisa acelera, desacelera e muda de direção, ela deve ter motores de algum tipo. Presumivelmente deve ter alguém pilotando que não quer ser vaporizado batendo em um planeta enquanto vai às compras no supermercado interplanetário mais próximo. Ainda assim, os cientistas estão em pânico e a personagem principal manda seu filho para o porão.

Em seguida, com todos ainda em pânico, os cientistas são levados de helicóptero ao local do "impacto". Se é um impacto e todos estão assustados, porque estão indo para lá e não enterrados dentro de uma montanha? Não faz nenhum sentido.

Vamos consertar isso: Militares detectam a espaçonave na periferia do sistema solar e reunem um grupo de cientistas pré-designados para esse tipo de evento improvável. Pouco depois do pouso, um perímetro é criado em torno do local e os cientistas são levados para lá. Ninguém se aproxima da espaçonave até que os cientistas estejam lá.

Como um pequeno presente aos que assistiram o original, um dos cientistas seria tirado da platéia, durante uma apresentação em que uma orquestra toca o tema do filme original acompanhado de um theremin. De qualquer modo, o tema original de Bernard Herrman precisa estar presente.

O primeiro contato improvável

Então, a espaçonave pousa. Apenas para registro, é um dos poucos casos documentados na ficção científica em que uma espaçonave pousa perto do prédio das Nações Unidas. Uma vez pousada ela é rapidamente cercada por militares, mas são os cientistas que vão à frente, correndo o risco de virarem o lanche rápido da tripulação esfomeada depois da longa viagem. Seria mais sensato mandar um camisa-vermelha com alguns instrumentos medindo coisas como radiação, dieta e apetite dos alienígenas enquanto os cientistas ficam atrás, um pouco mais protegidos.

Como arrumar isso: Ninguém se aproxima da espaçonave além de um solitário robô militar (que parece um carrinho de controle-remoto supercrescido) carregado de instrumentos. Mantém-se o desembarque do original - nosso alienígena desce, diz alguma coisa em perfeito inglês ("Nós viemos visitá-los em paz e com boas intenções") e, empunhando um presente (é delicado presentear o dono da casa na primeira visita) e, em meio a uma quebra de comunicação, ele leva um tiro.

O toque do borrifo de sangue vermelho é manjado, mas funciona. Isso ficou bom, assim como o robô. Queria um desses pra mim. Já me contentaria com o do primeiro filme, meio borrachoso. Esse é um modelo muito superior.

Mas aí a coisa desanda: Nosso alienígena usa a frase mais conhecida do filme original na hora errada: "Klaatu barada nikto" não quer dizer "Gort! Pare imediatamente!". Para parar o robô, que a essa altura se prepara para garantir a segurança de seu colega, ele precisaria dizer "Gort! Deglet ovrosco!" (isso está no roteiro original). De quebra, isso estabelece o nome do robô e um pouco da relação entre os dois viajantes. A forma como, nessa versão, estabeleceram o nome do robô me deixou constrangido. Se era para apelar para uma sigla, podiam muito bem deixar sem nome.

De qualquer modo, os humanos otimistas pegam o alienígena ferido e o levam para um hospital. Isso faz pouco sentido - ninguém tem muita idéia de como tratá-lo e levá-lo a um hospital pode ser a pior coisa a se fazer. Presumo que, na falta de idéia melhor, é uma opção marginalmente melhor do que levá-lo ao Jardim Botânico.

Outra coisa bem legal: a roupa biológica. O problema é que a idéia realmente boa dura pouco: "Parece uma placenta", "porque para sobreviver aqui ele teria que nascer aqui". Argh. Se isso é um cientista falando, eu sou o Coelhinho da Páscoa.

E ainda usam um Microsoft Surface, como isso não desse mais trabalho do que papéis impressos.

"Vai levar um tempo para me acostumar a esse corpo"... É. O alienígena chegou aqui um prematuro gigante. E saiu da roupa-mamãe antes da hora. Isso denota, no mínimo, despreparo e execução imcompetente. Se eu vou fazer um trabalho em um planeta em que eu tenha que viver como uma cenoura, vou estar pronto uma semana antes, depois de praticar o papel de cenoura durante todo o tempo livre da viagem.

Não se deixa coisas importantes assim para a última hora.

Há um toque bom aqui também: a idéia de que a real aparência de Klaatu iria assustar os humanos e que é por isso que ele resolveu usar um corpo humano - isso deixa os nerds da platéia livres para imaginar a aparência dessa espécie e poderia alimentar as discussões em forums pela web por décadas.

Como se arruma isso? Nada de alienígena recém-nascido. Ele é um humano adulto, fala inglês fluente e sua roupa estava curando o ferimento para espanto dos médicos que abriram a roupa à beira do pânico. Sabe o nome da Secretária de Defesa, sabe o nome do lugar em que desceu e sabe perfeitamente o que está acontecendo com ele. Como qualquer embaixador minimamente competente (que está fazendo um primeiro contato com uma cultura diferente e primitiva), foi instruído sobre a cultura do local para onde ia e não vai estar muito perdido.

E, claro, a roupa dele não derreteria.

As minhas não derretem, pelo menos. Eu imagino que um alienígena tecnologicamente muito mais sofisticado não teria esse tipo de problema de guarda-roupa.

Super-poderes

Klaatu, nosso alienígena que não se acostumou a ser bípede essa semana, tem super-poderes e os usa para fugir de uma instalação militar supostamente segura. Nem vou opinar sobre isso...

Como se conserta? Fácil. Alienígena não tem super-poderes - nem deveria ter, se é fisicamente humano. Precisa usar algum artifício para sair de onde está - que pode até ser uma base militar, mas precisa fazê-lo antes de ser levado a uma instalação segura demais. Pode receber ajuda ou pode usar a roupa que talvez possa assumir a aparência de um uniforme militar, paletó e gravata ou algo parecido. Não gosto muito de artifícios tecnológicos como esse: acho que deve haver uma solução melhor. Eu consideraria a fuga dele do hospital como um ponto mal-explicado, exatamente como no filme original.

O laço de confiança com a Dra. Benson é interessante e serve para alinhavar o reencontro de ambos. Esse pedaço funciona. A cientista se recusa a dopá-lo e ele foge mas, como não foi bem consertado do tiro de fuzil (tiraram a roupa que o consertaria) ele tem complicações por causa do ferimento. Mas como ele poderia saber que a cientista tinha surrupiado um pedaço da roupa?

A solução pra isso é igualmente simples: O alienígena foge, percebe que está sendo procurado e procura a cientista, pedindo que o ajude em sua missão: ele precisa encontrar um colega de trabalho. Encontra um outro alienígena, presumivelmente da mesma espécie, usando um corpo humano chinês. A conversa dos dois rende um momento melodramático gratuito (não o único) em que o colega diz que prefere ficar na Terra e morrer com os habitantes que não querem mudar e continuam destruindo o planeta. Para salvar o planeta, a humanidade deve ser exterminada, "mas há algo de especial neles".

O problema com o chinês

Há um problema sério aqui: se a sua missão é encontrar um observador disfarçado, por que diabos você pousa uma esfera luminosa de 50m de diâmetro no meio do Central Park? Há formas de se fazer isso sem despertar a atenção de um exército. Mas vamos esquecer disso por hora.

A solução? Não é tão difícil. Eu acho que seria o caso do chinês não existir. Não faz tanto sentido assim - uma operação espalhafatosa para contactar um observador quando um telefonema poderia ter resolvido. E pra que um observador disfarçado? Para ter melhores estatísticas sobre poluição? Faça como os humanos mais primitivos: mande um robô. Se você quiser muito manter o chinês, eu diria para mudar um pouco a justificativa dele perder contato e querer ficar. Ele morou aqui por 70 anos, formou uma família e teve filhos, netos e bisnetos. É razoável pensar que ele não se sentiria bem em deixá-los para trás, para uma morte horrível. Além disso, o chinês poderia dizer que os humanos lembram o seu próprio povo no início de sua história. Mais sobre isso adiante.

Ainda assim, o chinês pode ser útil: ele pode ser o caminho para o professor Barnhardt, em vez da Dra Benson.

O que resolve outro problema: qual é, afinal, a especialização do professor? A cena do quadro-negro é muito bonita, tanto nesse filme como no original, mas a conclusão original é melhor: o professor pergunta como Klaatu pode ter tanta certeza da fórmula e ele rebate dizendo "funciona bem o bastante para me levar de um planeta a outro". Isso poderia ser modernizado para algo em torno de buracos de minhoca, as teorias de Heim ou outras coisas que podem servir para viagens interestelares.

O problema é que, se o professor é um biólogo ou algo parecido, o terreno em comum entre os dois tem que ser outro. Dá pra pensar em algo, mas a idéia original (a de 1951) ainda funciona melhor.

Piedade

Não. O professor pedindo piedade não cola. Não mesmo. Mas o raciocínio de que os humanos não são tão diferentes assim do povo do Klaatu milhares (ou milhões) de anos atrás é um ponto válido e faz uma conexão com o que o chinês deveria ter dito (na minha versão ajustada).

O argumento da mudança cataclísmica induzindo uma mudança de comportamento é bom, mas para que a humanidade mude, a catástrofe teria que ser totalmente natural e o único culpado teria que ser ou ninguém ou a própria humanidade.

E nisso o filme falha de novo. Ao começar e interromper um holocausto nanotecnológico (idéia boa, mas dramaticamente disfuncional), Klaatu não dá motivos para a humanidade mudar, mas apenas para se armar até os dentes. A intervenção é um desastre e, em sua próxima visita, o tiro não vai ser nem por um erro de comunicação nem de fuzil.

Para arrematar, fica a idéia de que o processo já teria começado (o prazo que os "limpadores" deram para que Klaatu falasse com os líderes da Terra se esgotou e não está nem mesmo claro que existam líderes por aqui) e que a humanidade será extinta em poucas horas. Para evitar isso, ele precisaria voltar ao Central Park e contactá-los a partir de sua espaçonave e convencê-los de que é cedo para emitir um veredito sobre a nossa espécie.

Uma boa razão

Ainda assim, falta um motivo mais forte para poupar a humanidade. Vamos pensar que, do ponto de vista dos visitantes, nós somos pouca coisa mais sofisticados do que cefalópodes e, todas as notas somadas, não nos saímos melhor do que eles. Daríamos bons animais de estimação, se não fossemos tão bagunceiros, ou um bom churrasco, se não fôssemos tão gordurosos.

O nosso problema seria definir no filme, de modo inequívoco, que nós, humanos, somos animais nobres e que somos capazes de coisas legais como auto-sacrifício por boas causas ou de, no mínimo, não jogar lixo na rua nem de ouvir axé. Aí vai a minha sugestão arriscada, por parecer meio emocional demais: O menino se sacrifica. Os detalhes disso não estão claros pra mim agora (as pessoas que resolvem esses detalhes em um roteiro, sobretudo as que resolvem direito, são pagas pra isso e eu não pretendo arruinar esse mercado), mas é fácil imaginar que o acidente envolva um policial confuso, um alienígena super-confiante e um menino precipitado. Aí até da pra usar mais um elemento da versão de 1951: a da idéia de que existe tecnologia para "consertar" um morto, mas que ela não funciona tão bem assim e que ninguém sabe, nem mesmo seus usuários, quanto tempo o conserto do menino vai durar. Coloca também uma sombra: a de que temos que viver com as consequências dos nossos atos, mesmo os mais nobres.

É... Acho que é isso. Esses remendos, na minha modesta opinião, teriam resultado em um filme muito melhor. Há muito tempo que o filme de 1951 merecia uma refilmagem, mas uma que estivesse à altura do original.

Espero que Star Trek se saia melhor...